Um impasse sobre a liderança da Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto) que vinha se intensificando nos bastidores agora chega à esfera judicial.
O presidente da ABcripto, Bernardo Srur, está processando quatro membros do Conselho Administrativo da entidade, incluindo André Portilho (Mynt, a exchange do BTG Pactual), Maria Isabel Sica (Ripple), Renata Mancini (Ripio) e Daniel de Paiva Gomes (Paiva Gomes Consultoria LTDA), por tentarem convocar uma assembleia com o intuito de deliberar sobre um novo presidente para a associação.
Mas o processo vai além: pede que o juiz obrigue as empresas associadas a substituir os quatro conselheiros que lhes representam e, caso não o façam, que sejam excluídas do conselho.
A articulação para a assembleia por parte do Conselho Administrativo se deve ao fato de que o mandato de Bernardo Srur como Diretor-Presidente da ABcripto se encerra no dia 16 de dezembro de 2025 e, caso não haja nova eleição, ele é automaticamente reeleito para exercer o cargo por mais um ano.
O processo público visto pelo Portal do Bitcoin, aberto por Srur em nome da ABcripto no dia 4 de novembro, tenta invalidar uma reunião dos conselheiros realizada em 23 de outubro de 2025, na qual foi solicitada a convocação de uma Assembleia Geral Extraordinária (AGE).
Bernardo Srur argumenta no processo que foi “abruptamente interrompido” pelo conselheiro André Portilho na reunião, que teria informado sobre a realização de uma reunião paralela, sem a participação da Diretoria Executiva.
“Após o retorno à reunião, o conselheiro Portilho solicitou a convocação e o agendamento de uma AGE, em nome dele e dos demais conselheiros presentes, com o explícito objetivo de deliberar sobre a destituição da Diretoria Executiva”, diz o processo.
No argumento da instituição, a reunião era inválida por “graves violações estatutárias e legais”, citando fatores como a ausência de quórum válido e a existência de procurações vencidas.
Quatro dias depois, um dos alvos do processo, o advogado Daniel de Paiva Gomes, protocolou uma resposta de quase 200 páginas, defendendo os conselheiros do que definem como “alegações infundadas, destituídas de provas e totalmente desconectadas da realidade fática e documental”.
O embate sobre a liderança da ABcripto
O Conselho Administrativo da ABcripto argumenta que, desde 14 de julho, propôs uma transição pacífica e tentou negociar a vacância do cargo, “o que foi reiteradamente rejeitado pelo Diretor-Presidente [Bernardo Srur]”.
Segundo a defesa dos diretores processados, na reunião do dia 23 de outubro, o presidente da ABcripto afirmou, mais uma vez, que não seria possível sanar as questões de maneira consensual e pacífica.
No dia 30 de outubro, Srur teria enviado um comunicado por e-mail alegando ser vítima de uma “campanha difamatória” pelos conselheiros.
“Na referida comunicação, o Diretor-Presidente utilizou tom intimidador e acusatório, alegando que o Conselho de Administração estaria ‘desrespeitando normas’ e ‘atentando contra a integridade da Instituição e de seus dirigentes sem base factual’, quando, em verdade, é exatamente o oposto que acontece”, afirma o grupo de diretores processados.
A defesa do grupo de executivos diz ainda que o presidente da ABcripto distorceu, no processo, o que realmente aconteceu na reunião do dia 23. Eles garantem que não deliberaram na reunião sobre a destituição do Diretor-Presidente, cientes de que somente a Assembleia Geral pode fazer isso.
O que fizeram, na qualidade de órgão superior ao Diretor-Presidente, foi requerer a assembleia para que, com a presença de todos os associados, houvesse a eleição e substituição do Diretor-Presidente com a chegada do fim do mandato.
“Se o Conselho deliberou requisitar a convocação de Assembleia para que o tema seja decidido no foro competente, cumpre ao Diretor-Presidente acatar e operacionalizar o ato convocatório, e não condicionar ou postergar a deliberação do órgão soberano”, diz a defesa. “A recusa caracteriza inobservância da subordinação estatutária e usurpação funcional.”
Além disso, a defesa critica o uso da própria associação pelo presidente da ABcripto para abrir o processo e o fato de quatro conselheiros terem sido incluídos como pessoas físicas na ação, sem motivação concreta.
“O Diretor-Presidente quer usar os quatro Conselheiros que fazem parte do polo passivo desta ação como ‘exemplo’ aos demais Conselheiros, ou seja, para constranger os Réus e desestimular que outros associados questionem a proximidade do término do mandato do Diretor-Presidente e a ausência de prestação de contas, informações e documentos. Portanto, à margem do fluxo estatutário, o Diretor-Presidente instrumentalizou o Poder Judiciário para fins pessoais, em flagrante abuso do direito de ação”, diz a defesa.
Como a crise da ABcripto começou
A contestação dos conselheiros da ABcripto diz que, desde 14 de julho de 2025, eles vêm solicitando acesso — mas sem retorno — a informações financeiras, bancárias e documentos da associação, e que o presidente “cria obstáculos” para não entregar os documentos solicitados.
Para deixar clara a gravidade do caso, a defesa cita que a associação está irregular perante a Receita Federal do Brasil desde maio de 2025 e que os associados “sequer sabem o motivo”.
“Por qual razão o Diretor-Presidente […] recusa-se a fornecer informações, documentos e a pautar a Assembleia Geral para que os Associados deliberem sobre o novo mandato da Diretoria-Executiva? Simplesmente porque o Diretor-Presidente sabe que ocorrerá a renovação automática de seu mandato pelo prazo extra de 1 ano, caso ultrapassado o prazo de 16/12/2025 sem deliberação.”
Segundo o processo, o início das suspeitas de que havia algo errado na liderança da ABcripto aconteceu em 11 de julho deste ano, quando a vice-presidente e a diretoria jurídica da entidade comunicaram seu desligamento imediato.
Trechos da carta que anunciava as saídas chamaram atenção do Conselho, pois poderiam sinalizar preocupação institucional com práticas de governança.
“O que levaria as pessoas que ocupavam tais posições a, sem qualquer interlocução prévia com o Conselho, simplesmente comunicar o seu desligamento?”, questiona a defesa, acrescentando que a liderança restante da ABcripto, a partir daquele ponto concentrada na figura de Bernardo Srur, repetidas vezes foi pressionada a explicar o que aconteceu, mas nunca esclareceu o motivo da saída da diretoria jurídica aos associados.
As práticas suspeitas da ABcripto, segundo os conselheiros
Em determinado ponto da contestação, a defesa do Conselho Administrativo da ABcripto lista uma série de outros esclarecimentos que pediram e não tiveram resposta, entre eles:
- Falta de clareza sobre acordo com o Ministério Público: Eles afirmam que, depois do ataque hacker envolvendo o PIX e a C&M, a ABcripto firmou um acordo com o Ministério Público do Estado de São Paulo, sem validação do Conselho de Administração. O Conselho pediu explicações sobre “quais os motivos que levaram à criação de grupo de WhatsApp para atendimento de ordem de membros do Ministério Público sem ordem judicial”.
- Problemas com a Receita Federal: O Conselho constatou que a ABcripto está irregular com a Receita Federal desde maio de 2025. “Ora, sendo uma entidade imune/isenta, não há fundamentos para que a Associação não possua certidão de regularidade fiscal. Em verdade, causou estranheza a Associação ter, por um período, uma certidão ‘positiva com efeitos de negativa’, pois isso indicaria a existência de débitos tributários (embora suspensos ou garantidos), o que, na qualidade de entidade imune/isenta, não faz sentido.”
- Contas bancárias fechadas: O Conselho pediu que fossem enviados todos os extratos bancários das contas da associação e esclarecimentos sobre o fechamento da conta no Banco Cora, “tendo em vista informações conflitantes recebidas no sentido de que referido fechamento teria ocorrido por iniciativa do próprio banco”.
- Pagamento de R$ 250 mil para sandbox da CVM: A Diretoria-Executiva da ABcripto disse que realizaria um pagamento de R$ 250 mil para o projeto de sandbox da CVM, mesmo sem aprovação do Conselho e sem informações técnicas adequadas. O Conselho havia determinado que o custo não fosse assumido sem essas informações e sem a adesão confirmada dos participantes, mas o Diretor-Executivo disse que o faria sob o argumento de que “teria dado sua palavra”.
- Esclarecimentos sobre CriptoJud: O Conselho requereu que fossem prestados esclarecimentos sobre a ferramenta denominada “CriptoJud”, em desenvolvimento para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Também pediu justificativas para o fato de a contratação do fornecedor não ter sido submetida à aprovação e para a ausência de convite às empresas associadas para participarem dos testes do sistema.
De acordo com a defesa, quando o presidente da ABcripto disponibilizou documentos requeridos pelo Conselho, o fez em ferramenta cujo acesso era condicionado à aceitação de um termo de confidencialidade, visto como incompatível com a LGPD.
“Vale relembrar: nos termos do artigo 30 do Estatuto, a Diretoria Executiva, o que inclui o Diretor-Presidente, é subordinada ao Conselho. Ora, se o Diretor-Presidente é subordinado ao Conselho de Administração, por qual razão referido Diretor-Presidente tem acesso às informações e documentos, mas o Conselho, órgão que lhe é superior, não tem acesso à referida base de dados?”, provoca a defesa.
O que cada parte pede agora
A ABcripto, por meio do presidente Bernardo Srur, pede a anulação da Reunião Ordinária do Conselho do dia 23 de outubro de 2025 e das deliberações tomadas nela, bem como a anulação da convocação da Assembleia Geral Extraordinária.
O processo também pede a exclusão dos associados envolvidos “que promoveram o desvio da reunião do Conselho da ABcripto por violação das obrigações estatutárias”, citando André Portilho (Mynt), Maria Isabel Sica (Ripple), Renata Mancini (Ripio) e o advogado Daniel de Paiva Gomes.
Ele exige que as empresas associadas nomeiem novos representantes e, na ausência de nomeação, que sejam excluídas do Conselho.
Já a defesa dos diretores processados exige que a presidência da ABcripto faça prestação de contas, apresentando uma série de documentos e esclarecimentos relacionados à gestão nos últimos anos.
O principal pedido é a imediata convocação da Assembleia Geral para deliberar sobre a eleição ou destituição do Diretor-Presidente.
Por fim, a defesa também pede que o juiz determine que o presidente da ABcripto, Bernardo Srur, publique, em seu próprio nome e na qualidade de pessoa física, retratação pública em favor dos réus nas redes sociais LinkedIn, Instagram, TikTok, bem como em qualquer outra rede social que possua.
Contraponto
O Portal do Bitcoin procurou Bernardo Srur para questioná-lo sobre o motivo de não ter acatado o pedido de convocação de uma reunião extraordinária e se ele considera propor uma nova eleição para a presidência da ABcripto, mas não obteve resposta. Srur encaminhou a solicitação à assessoria de imprensa da entidade, que enviou a seguinte nota:
“A Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABcripto) informa que tomou conhecimento das manifestações apresentadas no processo judicial em curso e reafirma que toda a atuação de sua Diretoria Executiva segue estritamente os procedimentos previstos no Estatuto da Associação, observando rigorosamente a regularidade institucional e a segurança jurídica. O tema em discussão refere-se a interpretações distintas sobre ritos estatutários e sobre a condução de processos internos, incluindo convocação de instâncias deliberativas e acesso a informações administrativas. A ABcripto vem atendendo às solicitações formais do Conselho dentro dos meios estruturados e adequados, mantendo a integridade dos procedimentos. A Associação mantém plena confiança nas instâncias competentes e reforça seu compromisso permanente com o diálogo, a governança e o fortalecimento do ecossistema de criptoeconomia no Brasil.”
A reportagem também procurou membros do Conselho Administrativo da ABcripto. Um deles, que pediu para não ter o nome divulgado, disse que, como conselheiro, sua “única preocupação é cumprir a função do colegiado nos moldes legais e conforme estipulado em estatuto”.
“Lamento a extrapolação de um assunto administrativo para vias judiciais, mas tenho plena convicção de que as informações serão prestadas nos autos. Sob a perspectiva jurídica, a ação movida carece de substância, o que se vê pelo indeferimento da liminar pleiteada pelo Diretor-Presidente e reforça a atuação apropriada do conselho como um todo e não de conselheiros especificamente considerados. O Conselho busca tão somente a convocação da assembleia geral e a prestação de contas, conforme previsto no estatuto. Estou confiante de que o processo correrá bem e que o espaço de diálogo e construção que sempre permearam a atuação do Conselho, que obteve diversas conquistas para o setor até então, poderá ser recuperado, pois o valor da Associação está nos seus associados”, finaliza.
Quer fazer uma denúncia? Envie um e-mail para denuncia@portaldobitcoin.com
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